Nos últimos meses, uma nova onda de polêmicas envolvendo os chamados “bebês reborn”, bonecas hiper-realistas que simulam recém-nascidos, vem ganhando espaço na mídia e nas redes sociais. Os casos variam de disputas judiciais por “guarda” a tentativas de atendimento em unidades de saúde, além de exigência de assentos preferenciais em transportes públicos. O tema, que à primeira vista pode parecer excêntrico ou até cômico, revela muito sobre o momento psicológico e social da nossa sociedade.

Em Curitiba, a prefeitura foi clara ao emitir, em suas redes sociais, um comunicado direto: assentos preferenciais são para pessoas reais com necessidades específicas. Bebês reborn, apesar de seu realismo, são objetos e, portanto, não garantem a seus “pais” ou “mães” o direito de uso de vagas ou assentos prioritários. A publicação, feita com tom bem-humorado, buscou esclarecer e educar a população sobre os limites do uso simbólico dessas bonecas.

Já o Governo do Paraná foi além e reforçou que UPAs e unidades de saúde do estado não prestam atendimento a bonecos, independentemente do valor emocional atribuído a eles. A medida foi uma resposta a relatos de tentativas de levar bebês reborn para consultas, algo que preocupa os gestores públicos diante do risco de sobrecarga nos serviços destinados a humanos reais.

Enquanto isso, casos como o de um ex-casal de Goiânia que disputava judicialmente a “guarda” de uma boneca — que rendia até dinheiro por meio de um perfil influente no Instagram, chamam a atenção para a complexidade das relações humanas com objetos que assumem um valor simbólico profundo. Houve também, no Rio de Janeiro, uma ação judicial de uma servidora pública que exigia reembolso de R$ 16 mil por se sentir lesada com os “cabelos defeituosos” de sua bebê reborn.

Se por um lado há quem defenda o uso terapêutico dessas bonecas, especialmente para mães enlutadas, idosos ou pessoas com dificuldades emocionais, por outro cresce a preocupação com o que isso representa enquanto fenômeno coletivo. A linha entre o cuidado simbólico e a negação da realidade está cada vez mais tênue.

O que isso nos diz sobre o caminho que a sociedade está tomando?

Vivemos uma era de hiperindividualismo, marcada pela busca de afeto em objetos, perfis virtuais e experiências simuladas. A substituição simbólica da maternidade por uma boneca, ou a criação de vínculos emocionais profundos com figuras inanimadas, pode ser sintoma de um mundo onde o contato humano está cada vez mais escasso ou doloroso. Se, em muitos casos, esses objetos oferecem consolo, em outros revelam a urgência de cuidar da saúde mental coletiva.

O poder público, ao precisar emitir notas explicativas para diferenciar o real do simbólico, escancara o paradoxo contemporâneo: vivemos cercados de simulações, mas as estruturas da sociedade ainda dependem da realidade para funcionar.

Mais do que zombar dos episódios, é essencial refletir: estamos criando vínculos reais ou substitutivos? Estamos amando pessoas ou idealizações? Estamos cuidando de filhos ou de ausências?

A resposta pode dizer mais sobre o nosso tempo do que imaginamos.

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